«Mudar a tempo <br>para garantir alimento!»
Com base em algumas ideias de Karl Marx, a exposição no Espaço Ciência, visitada por milhares de pessoas e que de ano para ano ganha destaque na Festa do Avante!, foi subordinada ao lema «Mudar a tempo para garantir alimento!», que contribuiu para a reflexão sobre a actualidade (alimentar sete mil milhões de indivíduos) e o futuro, em que se prevê a existência de nove mil milhões de pessoas em 2050.
«O capital não pode permanecer: ou acumula ou morre!», lia-se logo à entrada, uma citação de Marx, que estava ladeada com um poema de José Carlos Ary dos Santos, intitulado «A gula». «Comemos vegetais e animais; bebemos vinho; respiramos fundo; somos normais. Apenas devoramos o mundo», escreveu o poeta português.
O espaço estava dividido em vários núcleos confluentes, informando, por exemplo, sobre a «História da Agricultura», as «Práticas Agrícolas», a «Sustentabilidade e Bem-Estar Humano» e «O Futuro que Queremos/Alternativas e Desafios». No centro deste espaço havia uma pequena horta, com ervas aromáticas e utensílios tradicionais, que se misturavam com obras de arte.
Sobre o passado recente, de 1980 a 2010, um dos painéis alertava para o facto de a agricultura portuguesa ter sofrido «significativas alterações» ao longo dos tempos, tendo desaparecido «centenas de milhares de explorações», a par do «envelhecimento dos agricultores», da diminuição da «população activa agrícola», do crescimento da «desertificação em amplas regiões do País» e de «milhares de hectares anualmente devastados pelos fogos», da diminuição da «área semeada» e do surgimento dos «incultos».
«Relativamente à adesão comunitária, ocorrida em 1986, e no que respeita à agricultura, não foi necessário tanto tempo para que se desfizesse a feira de ilusões montada pelo PS e pela direita para justificar a decisão da adesão, de natureza estritamente política, de salvaguarda do capitalismo», enfatizava-se.
Propostas para o futuro
Sobre a situação actual, ali se fazia notar que «tiveram um peso essencial as más políticas agrícolas nacionais dos governos do PS, PSD, CDS, sozinhos ou em coligação, quer no que respeita à falta de defesa dos interesses nacionais, à desregulação do processo evolutivo da agricultura e da incapacidade para atenuar os impactos mais negativos da adesão no âmbito da Política Agrícola Comum, quer relativamente às políticas prosseguidas no âmbito da sua própria esfera de competências».
Diferente é a posição do PCP, que defende ser «necessária uma estratégia de produção que tenha em conta o facto de hoje já não ser possível produzir de tudo à margem dos condicionalismos naturais existentes, que adeqúe os sistemas produtivos ao quadro das características edafo-climáticas do País e permita melhorar os rendimentos das pequenas e médias explorações agrícolas, com particular relevo para as culturas mediterrânicas», o «fomento tecnológico, tendo como referências a valorização das áreas regadas, as tecnologias agro-ambientais, a qualidade alimentar, a preservação da natureza», a «reestruturação fundiária nos campos do Sul e a racionalização fundiária no Centro e Norte», a «defesa do mercado interno e o controlo da qualidade das importações» e «o desenvolvimento do mundo rural no quadro de políticas públicas de desenvolvimento regional e local onde, em articulação com outras políticas sectoriais, se insira também a política agrícola».
No final, uma referência aos dez «R's» para a sustentabilidade, que tem de passar, não só, pelo respeito pelo ambiente e equilíbrio dos ecossistemas, mas também pela justiça social e pela distribuição equitativa de recursos. «Há que mudar de rumo, e esta viragem implica uma acção individual e colectiva na redução de consumo, na redução da produção de resíduos, na reutilização e nas relações humanas», lia-se no painel.
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«Ciência e a Arte»
No Auditório estava ainda patente uma mostra intitulada «Ciência e a Arte», onde se dava a conhecer, através de imagens, o «Desenho» (desenho n.º 12 do conjunto de desenhos feitos na prisão por Álvaro Cunhal), a «Escultura» (Rotunda do Agricultor em Aroura), a «Fotografia» (trabalhadores rurais alentejanos e ribatejanos ocupam terras abandonadas), a «Arquitectura» (espinheiro, no Parque Natural do Alvão), o «Teatro» (Pranto de Maria Parda – Gil Vicente), a «Literatura» (Alentejo não tem sombras, de Armando Alves), a Pintura (O Gadanheiro, de Júlio Pomar) e a «Música» (partitura de «Verdes são os campos», de Luís de Camões e música de José Afonso).
Durante os três dias, este espaço, para além da apresentação de livros e sessão de autógrafos, contou ainda com vários workshops, sobre «Cozinha Molecular», «Comércio Justo», «Técnicas e Práticas de Agricultura Biológica», «Permacultura» e «As plantas: no jardim, na horta e na cozinha», e debates, que abordaram temas como «Alimentação e Cultura – Perspectivas Cruzadas das Ciências Sociais», com Maria José Rafael, Deolinda Nunes e Augusto Flor; «Alimentar nove milhões de pessoas em 2050, uma perspectiva marxista», com João Dinis, Luis Vicente e Augusto Flor; «Investigação na Alimentação – Perspectivas Cientificas Cruzadas», com Pedro Talhinas, Augusto Flor e Joana Dinis; e «Dieta Alimentar dos Extra-terrestres», com Máximo Ferreira, Ana Maria e Sílvia Silva.
Logo ali ao lado encontrava-se o Espaço Criança, onde os mais novos podiam juntar puzzles e pintar desenhos relacionados com o tema da exposição. Uma forma diferente de brincar, aprendendo.
A natureza no pensamento de Marx
Marx considera que o progresso – o crescimento económico – não é um fim em si mesmo, mas está subordinado às necessidades humanas. Para Marx, o «progresso» só pode ser alcançado por uma mudança nas relações sociais. Considera o desenvolvimento das forças produtivas como positivas para a humanidade porque constitui a base de uma sociedade comunista na qual o princípio supremo será «a cada um segundo as suas necessidades».
Numa sociedade em que o processo produtivo não seja decidido pelo critério da maximização do lucro (a criação de valores de troca numa escala infinita), mas sim pelas necessidades humanas (o predomínio do valor de uso objectivo sobre o seu valor de troca), a utilização da técnica estaria subordinada ao bem-estar dos trabalhadores numa relação sustentável com a natureza.
Esta perspectiva permite uma ponte entre o projecto comunista de emancipação dos trabalhadores com o ideal ambientalista de uma relação harmoniosa entre as comunidades humanas e a natureza. A meta é um «socialismo ecológico», ou seja, uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controlo democrático, na igualdade social e no predomínio do valor-de-uso sobre o valor-de-troca.
A realização destes objectivos envolve pressupostos: a propriedade colectiva dos meios de produção (isto é, propriedade pública, comunitária ou cooperativa); um planeamento democrático em que a própria sociedade define as medidas de investimento e produção; e uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas.
O carácter destrutivo do capitalismo em relação à natureza é um fenómeno inerente ao processo produtivo capitalista: no afã de produzir cada vez mais e a custos sempre menores, o capitalismo explora de modo predatório as suas próprias fontes de lucro. Ao fazer isso, põe em perigo, no longo prazo, as suas bases de sustentação.